terça-feira, setembro 25, 2007

Quando for grande não quero ser normal

Não me perdi nas horas da manhã, como de costume. Talvez por ter ido dormir antes das três, coisa rara nos tempos que correm. As revistas que mostram o mundo, a internet que o pinta, e a televisão que o esconde e nos deixa sonhar são normalmente mais fortes que eu. São o mais sério aliado da minha curiosidade, da minha impaciência. Mas hoje não. Batiam, nas aldeias onde ainda existem sinos, as 9:30, e já eu estava na sala, caneca de leite, bolachas e SIC-Notícias. Tentei encontrar um papel no jardim da Celeste que é a minha mesa-do-meio-feia-que-dói, quando me caíram uns quatros blocos ao chão: quatro blocos, quatro, e nenhum estava acabado, nenhum passava das dez, doze páginas; números de telefone, e-mails, frases daqui e dali, coisas a fazer com tanta urgência que hoje à tarde ainda ia a tempo... O breve resumo da minha vida em quatro blocos. A força do tenho tanto para fazer que não sei como dar conta disto. E não sei. A cabeça não dá sossego um minuto, está provado desde que um ex-namorado, ao ouvir as minhas considerações sobre o Universo, lançou um assustado "Tenho medo de ti". Verdade. Dentro dos normais, eu sou absurdamente anormal. Por um lado, ainda bem. As pessoas banais, para mim, não têm quase nada de especial - são bons filhos, bons pais, bons trabalhadores, bons amigos, bons colegas, bons vizinhos, bons cidadãos (quando é muito "bom" torna-se penosamente "mau"), cozinham, descobrem receitas novas, lavam a louça, enfrentam hipermercados ao sábado, passeiam de carro ao domingo, vão de férias para o Algarve, a passagem de ano é em família, ouvem as "Escolhas de Marcelo" e anseiam pelo Rui Santos na "Hora Extra", segunda-feira volta tudo ao mesmo, a esposa escolhe o canal da novela preferida enquanto folheiam o jornal, já se deixou de ir tomar café há muitos anos, antes da meia-noite caminha, sexo só quando o calendário marcar... Não. O normal, para mim, não é bom de todo. Antes os meus 25 comigo e por quem não esqueci, doida por varrida ou por varrer, sem saber para onde vai mas errante numa estrada de curvas e contracurvas, do um homem-máquina de sorriso de plástico a suar em bica num tapete rolante que nunca sai do sítio.

8 comentários:

Lua disse...

Genial

Anónimo disse...

Eu achava que qd fosse grande queria ser normal, às vezes tenho inveja do normal. Depois há os outros dias em que vejo no normal o caminho para a meia felicidade... e eu quero ser mais feliz do que o que é normal.

Anónimo disse...

Está apresentado o paradoxo basilar da sociedade ocidental : Queres ganhar a vida? - para isso tens de a perder !

E Fausto sempre presente e a bombar que nem o coelhinho da duracelli.

Merda para isto tudo, mas ainda bem que aqui estou para ver e viver.

Hasta Miss K.

Anónimo disse...

Parte I – Vida de Miss K: Caracterização – “Normal”.
Parte II – Vida do Espécime “Normal” (segundo Miss K): Caracterização – “Vulgar”.
Parte III (não incluída) – Vida de “Eu”: Caracterização – Algures entre o “Vulgar” e o “Normal” com borrifadelas de “Espectacular”

Conclusão:

Só distingo o invulgar no meio da vulgaridade. A vulgaridade não passa de um sacrifício para conseguir momentos invulgares, garantindo em simultâneo que nunca se tornarão vulgares.

criptog disse...

Costumo distinguir o "normal" do "comum". Acho que o normal é bom ... o problema está muitas vezes nas patologias, em que por exemplo se podem tornar a vontade de querer ser igual ou diferente. Quer dizer, umas quantas até poderão ser boas se aproveitadas para se aprender a integrá-las na normalidade. Penso que algumas questões essenciais serão as relacionadas com a identidade: como é que uma pessoa se reconhece e se sente com a própria individualidade e pertença/exclusão a grupos (reais ou imaginários)? Anyway ... fiquei curioso quanto às "considerações sobre o Universo" e elogio-te essa vontade de ser original.

:) (not plastic!)

Caltuga disse...

Talvez para evitar ser-se "banal" seja necessário desvalorizar muito do que há de bom no mundo querendo fazer-se passar por indiferente. Talvez para evitar ter uma vida "normal" seja necessário ter privilégios com demasiado tempo nas mãos e continuar sem saber ser produtivo. Talvez para se ser "especial" seja necessário julgar saber os segredos do universo mas sem sequer saber os segredos da sua própria vida...

Miss K. disse...

caltuga:

ainda não percebi onde queres chegar com os teus últimos comentários. estes e outros. queres ser mais directo?

Miss K.

Ana A. disse...

Crua realidade de uma vida normal. Ou devo dizer Banal?