domingo, março 22, 2009

Só uma grande actriz pode dar grandes entrevistas


A Premiere de Março traz uma entrevista nada convencional com Kate Winslet; nada de perguntas sobre se teve de engordar para fazer o filme, se lhe custou mostrar as maminhas se, pela enésima vez, foi bom ou mau trabalhar com o marido no "Revolutionary Road", etc, etc. Sobre o filme que lhe deu o mais-que-merecido Óscar de Melhor Actriz, "O Leitor", existem várias boas perguntas e melhores respostas. Fica o excerto da que mais me emocionou.

"Foi bastante duro. (...) Entender a mente de uma pessoa iletrada - isso foi crucial para mim. Passei bastante tempo com um grupo de Nova Iorque, os "Literacy Partners". Eles ensinam homens e mulheres a escrever; isso foi mesmo o melhor que poderia ter escolhido, uma vez que precisava de ter contacto com o nível de humilhação sentido pelas próprias pessoas. Entender como vivemos com essa mentira, como isso afecta cada área da nossa vida. Sentei-me nessas aulas, ao lado de pessoas que estavam a aprender a soletrar gato [cat], morcego [bat], sentar [sat] e tapete [mat]. E algumas das pessoas mais novas do grupo tinham 22, 23 e algumas das mais velhas tinham 72, 73 anos. Pessoas que passaram toda a vida envergonhadas, sem nunca se terem virado para alguém a perguntarem se podiam ajudá-las. 
Houve uma senhora, em particular, que passou bastante tempo comigo - tinha pouco mais de sessenta, e aprendido a ler e a escrever dois anos antes - , e estava bastante orgulhosa de si mesma. Estava tão contente por poder dizer que tinha sobrevivido. Por isso, dizia-lhe, Espere um segundo. Como é que arranjou emprego? Que tipo de trabalhos teve? Bem, querida, deixe-me que lhe diga. Fui operadora telefónica, e quando não conseguimos ler nem escrever... Ganhamos o dom da fala - tornamo-nos bons oradores. Falamos com muita gente. Tentamos escapar à realidade. Mas eu dizia, Sim. Contudo, antes de tudo, como é que arranjou esse trabalho? Como é que preencheu os formulários? Oh, querida, alguma vez ouviu falar em ligaduras elásticas? Sim. Esquisito. Bem, dirigia-me à loja, comprava uma ligadura elástica, ia ter com a minha amiga e dizia, Oh, a minha mão; não consigo segurar numa caneta. Podes preencher estas folhas por mim? E dizia-lhe o que colocar. Sim, isto foi o que fiz durante anos e anos, ao longo da minha vida. Mas de quantos trabalhos estamos a falar? Estamos a falar de muitos empregos, e muitas ligaduras elásticas, foi o que ela disse. Ela tinha um filho, por isso perguntei-lhe, Como é que o ajudava com o trabalho de casa? [ela respondeu] Não. Eu não o ajudava com os trabalhos de casa. Tinha sempre alguém que fazia isso com ele, porque a vida e a educação dele sempre foram muito importantes para mim, mas sabia que não podia auxiliar. Não podia deixar que soubesse que não sabia ler nem escrever. 
Por isso, a minha compreensão do quão bons nos tornamos a esconder esta realidade, as mentiras que vivemos, e o nível de controlo que somos obrigados a exercer no quotidiano, serviu para concluir que o mais importante de tudo é a protecção. Perceber isso foi o mais enriquecedor e o que mais contribuiu para construir esta personagem. Ninguém poderá imaginar o quão fascinante este processo foi. Ao caminhar pelas ruas, pensava simplesmente, Imagina que não consegues ler aquele sinal. Será que conseguimos conceber isso? (...)"       

4 comentários:

sweetie disse...

Bem, que história.. deve ser horrível não saber ler ou escrever nos dias que correm.. grande verdade quando dizem que a inteligência e as capacidades intelectuais são a nossa melhor arma.. ***

Sadeek disse...

Eu, que tenho um ódio de estimação pela Winslet (aquele ar de quem não parte um prato enerva-me...), adorei este excerto que nos deste. E sim, subiu na minha consideração... ;)

BEIJOOOOOOOOOOOOOOOOOO

loira disse...

vi ontem finamente o Revolutionary Road. Até gostei. Achei os diálogos muito bons, não tenho nada a ideia de que a Kate Winslet não tenha química com o Leonardo Di Caprio - adoro-os até quando discutem. Só não gostei do final. Acho que era muito mais honroso para as mulheres se a Kate tivesse feito o aborto e ido à vida dela, sem olhar para trás. Podia recomeçar de novo, sem precisar de morrer. Fica aqui a sugestão para um qualquer outro filme com este par romântico. Ou será que um deles precisa sempre de morrer?

criptog disse...

Acho que muita gente consegue imaginar isso.
("situação actual" ou "sabia que?")