terça-feira, outubro 28, 2008

W. (c)

A poucos dias das eleições norte-americanas, fui ver o novo Oliver Stone, W.. Tinha as maiores expectativas, não tanto por ansiar uma biografia de Bush filho, antes por saber que o realizador costuma ser subtilmente implacável na sua crítica às patranhas e piratarias da terra do Tio Sam. Desilusão é a palavra que melhor descreve o meu estado de espírito ao sair do cinema. Não, o filme não é propriamente mau. O problema reside na mensagem que o argumento, baseado em factos reais, passa ao espectador: George júnior é um amor de pessoa, um anjo inocente que, por ter apenas 1/4 de neurónio conduziu a América, e o mundo, ao estado deplorável em que hoje se encontra. Por ser três séculos mais estúpido e menos inteligente que o seu irmão, W. vai envolver-se numa série de peripécias com o intuito de chamar a atenção do pai, que vê nele um looser sem futuro. Salta de emprego em emprego, tem problemas com o álcool, ataques de mau génio, uma família para sustentar e um monte de incertezas na gaveta das meias. Até que... por força do destino vai substituir o irmão como braço-direito do pai na corrida à Casa Branca e faz um brilharete na organização da campanha. Não se sabe de onde vieram as skills que sempre lhe faltaram, mas daí até W. se apaixonar pela política e querer ser governador e senador e commander-in-chief é uma questão de cenas. Quando damos por nós estamos numa reunião de conselho de Estado a ponderar a invasão do Iraque por supostas armas de destruição que ninguém viu mas sabe que existe, e Bush júnior, todo ele um manto de inocência e candura, a ser manipulado pelos seus assessores a tomar decisões erradas e, como se viu depois, fatais. Ou seja, afinal não foi George W. Bush quem quis partir para a guerra - foram os seus homens de confiança, ele só deu a palavra final. Pudera, se até as torturas de Guantanamo são explicadas como um passo de mágica do vice Dick Cheney, que num almoço sui generis convence o presidente a permitir o recurso a técnicas de interrogatório mais violentas...
O filme tem as suas críticas à falta de inteligência de W., claro, e esses momentos até proporcionam algumas gargalhadas, mas a sensação que fica é um bocadinho amarga: estamos a pegar em Bush júnior ao colo até mesmo para o empurrarmos Casa Branca fora, oito anos e muitas asneiras depois; estamos a promover a sua inocência, a desculpar a sua estupidez. E isso, em vésperas de eleições, não é bom sinal.

6 comentários:

Anónimo disse...

Oscar Wilde dizia que todo o poema ruim é sincero. Talvez o mesmo aconteça com os filmes.

Anónimo disse...

Querida Miss K, mais um excelente post! :)
Faço só uma pequena rectificação, é assessores, e não acessores.
Beijo.

Miss K. disse...

caro anónimo:
obrigada pela chamada de atenção!

wednesday disse...

Eu sempre achei que não queria ver o filme. Pelo menos não no cinema... Ainda bem que vejo críticas a sustentar a minha decisão.

M disse...

Good lord... que decepção!

Todo o mundo espera angustiado o resultado destas eleições. Eu já nem me atrevo a ter esperança...

Ca Delicious disse...

A mais pura das verdades... e contra factos...