sábado, fevereiro 03, 2007

O fim do "se"

Quando te sentas a olhar para trás, pensas que se morresses agora querias levar alguma coisa desta vida: um momento, uma parte de um momento. Um sorriso rasgado, um olhar que te despiu, o toque de uma mão, o sabor de um beijo, uma cumplicidade partilhada, um sonho vivido. Quando te sentas a olhar para trás, pensas que se morresses agora querias levar alguma coisa desta vida: tudo. Tudo o que já viveste. O bom e o mau. O riso e o choro. A dor e a alegria. Mas tudo não te chega, porque precisas do que ainda não viveste mas queres viver, do que ainda não viveste nem sabes que vais viver, do que temias viver e tens de viver mesmo.

Um dia, deixas de viver uma série de coisas.

Eu ainda não consegui nada nesta vida. Deixei os meus sonhos lá atrás, quando deram o tiro de partida. Fui correndo, a achar que os encontrava pelo caminho, e nunca mais os vi. Quando olhei para trás, tinha uma nuvem de pó a cobrir-me a estrada, e só via as pegadas do meu trajecto. Mas achava que correr me ia levar para longe, e por isso continuei, enganando-me a mim mesma. Fui tropeçando noutros que também corriam, e muitas vezes os quis ajudar se estavam cansados, esquecendo-me que eu própria estava exausta. Tantas vezes limpei os olhos de quem me tinha dito que eu não sabia nada, e que eu não era nada – só para que as suas lágrimas não lhe causassem frio nem medo, que frio e medo tinha eu sempre, e podia ficar com o frio e o medo dos outros.

Quando alguém decide que não existes na sua vida, deixas mesmo de existir. Podes pegar ao colo, empurrar o baloiço, segurar o barco que vai ao fundo, que no fim continuas a ser nada – parece que é assim.

Se um dia me sentar a olhar para trás e por acaso pensar que estou a morrer, levanto-me e digo “não morrerei”. Não estarás lá para ouvir. Também não estarei lá para te acudir. A partir de hoje, nunca mais. Corre sozinho. Eu serei apenas o vento que sentes que te bate na cara: nunca terás a certeza de que existo, nem saberás onde estou, porque por mais que corras, grites, procures e transpires, eu nunca mais farei parte da tua meta.

6 comentários:

Luzia disse...

E é agora que te levantas e renasces!

Buttafly...fly...fly... disse...

Blogo-miga,

quem escreve como tu escreves, quem sente como tu sentes, não pode JAMAIS dizer que ainda não conseguiu nada nesta vida. Conseguiste... Enriquecer os nossos dias com as tuas palavras, fazer-nos pensar que há metas e pessoas e vontades em nós que, por muito que "nos" façam sentido, não fazem na realidade sentido nenhum. Ao ler o teu texto tive vontade de fazer Copy/Paste, colá-lo no meu blog e dedicá-lo a uma pessoa que sei que não vale a pena. Mas sabes que mais? Não vale a pena... Outras aparecerão que valerão toda a pena, toda a vida, toda a vontade, todo o desejo, tudo de mim. O mesmo acontecerá contigo, um dia destes... Resta esperar... É como escrevi há dias, quem sabe esta "licença sabática" não é o simples esperar por alguém muito especial...

Como te compreendo. Aliás, infelizmente compreendo vezes demais o que escreves...

NOTA MENTAL: "melhores dias virão"

Beijinho!

Joana disse...

...se te serve de inspiraçao ao ler o teu texto revi-me.
E de facto, para mim, também é o fim do meu "se".
Foi bom ter partilhado!

beijinhos
escreves lindamente!

MysterOn disse...

Beijo grande and Good Luck!!

Todos nos revemos de uma ou de outra maneira nas tuas palavras... tudo isto faz parte da obra prima (remember?), e são estes momentos complicados que tornam a obra prima mais saborosa!!

"No matter how cold the winter,
there's a Springtime ahead..."

Beijo!

meant to believe disse...

I feel you!

rasgos de autonomia e renascimento! passo a passo, camadas se vão destapando da nossa opacidade. São dores da cicatrização...lá vão sarando...

um dia a pele estará tão bonita e suave como que no nascimento em si, porém, com a sabedoria de vidas e vidas...

enfim...também não paro de tropeçar!damn!

El-Gee disse...

bom texto. mt bom texto.

como nao te conheco, nao me vou pôr aqui a consolar-te.