terça-feira, setembro 19, 2006

Volver - parte II

É sempre preciso voltar. A algum espaço, a algum lugar no tempo, a alguma memória que não queremos perdida, a um cheiro, a uma canção, a um momento. Hoje voltei a casa. À minha casa primeira casa (já não consigo dizer "a minha casa", mesmo sentido-a como minha, de sempre e para sempre). Não é que seja algo de estranho, uma vez que, com mais ou menos regularidade, é norma pegar no carro quanto mais não seja para uma "visita de médico". Foi assim desde que comecei a trabalhar. Depois de bater com a porta no emprego, passei a ficar uma noite em vez de jantar e ir a voar para Lisboa. Muito de vez em quando, claro.
É estranho. Uma pessoa vive quase dez anos numa casa, e de repente parece que quer fugir dela. Isto era o que eu pensava até há uns meses atrás, quando fiz as pazes com a minha primeira casa, e percebi que o meu medo era poder voltar a ser feliz ali; deixar-me levar pelos mimos dos pais e ficar cada vez mais dias, porque afinal nunca tive vontade de sair dali antes dos 17 anos. Sim, em casa, posso escrever que fui feliz. Ninguém me chateava, tinha a minha privacidade, partilhava gargalhadas, ficava na conversa com a minha mãe até às tantas... Quando parti, foi de sorriso sereno e contente. Pelo bom que deixava para trás e pela nova vida que tinha à frente.
Durante muitos anos voltei vezes demais, e acabei por não pertencer a lugar nenhum. Andei perdida numa espécie de terra de ninguém. Foi o meu próprio pai que me encorajou a passar mais tempo em minha casa, porque aquela era a minha nova vida, e não podia continuar a arrastar uma situação que só me desgastava - não ter identidade, não saber onde pertencer, não há pior. Eu sabia onde pertencia, precisava era que me indicassem o caminho, e felizmente os meus pais sempre ao meu lado para palmilhar todas as estradas. Eu também não lhes dei muitas dores de cabeça, é verdade. Mas podiam, pura e simplesmente, não estar nem aí.
Hoje em dia é com uma vontade quase de menina que volto ao território infantil. Sinto-me protegida, o tempo leva mais tempo a passar, e consigo fazer tudo o que quero: nada. Leio, escrevo, saio à rua, vou ver as avós, durmo horas sem fim, não tenho de fazer a cama nem-nada-de-nada, e vou-me deitar como se estivesse em minha casa. Continuo a ter muitas coisas aqui (tantas...), mas sei que seria infeliz se voltasse. Porém, onde estiver a minha primeira casa, vai estar sempre o meu coração. E isso traz-me paz.

3 comentários:

Su disse...

Home, is where the HEART is...
Como eu entendo este Post...andar sem identidade, com a vida metida numa mala, ou numa mochila, a vaguear entre os carris da cp e o asfalto da A1...mas a "nossa" casa é sempre aquela...depois aparecem outras que são "mais nossas"!
Bjs

Luzia disse...

Ao longo dos anos ja "tive" muitas casas e já morei com muitas pessoas! Aprende-se muito, ri-se, chora-se, conhece-se o ser humano e por fim ensina-me também a conhecer a mim própria!Mas nunca tive uma casa realmente minha, só minha! Resta-me a casa dos meus pais, porque é deles, porque ali a única coisa realmente minha sou eu! Aprendi que a nossa casa somos nós...

Buttafly...fly...fly... disse...

Gosto de "te" ler, leio-me a mim própria dia após dia...

Bjinho da bubuleta Su ;-)