domingo, maio 07, 2006

Cidade de Deus

"Por que é que tu gostas tanto do Rio de Janeiro?"

Olha, que coisa mais linda, mais cheia de graça. Que coisa mais linda mais cheia de graça... Sol às cinco da manhã para o dia começar cedo, e porque é de manhã que nos devemos lembrar "das pessoas mais interessantes". Só dar uma espreitadela, continuar a dormir por mais duas horas. Mas há tanta vida lá fora à nossa espera, que dá vontade de correr para ela. E salta-se da cama mesmo se lá tivermos aterrado três horas antes. E cumpre-se o ritual: olhar pela janela para verificar que os morros continuam lá, e que o cheiro a Rio ainda não foi embora; espreguiçar até mais não, lavar a cara com água bem gelada, vestir um trapinho qualquer, enfiar o pé na havaiana e descer para o supermercado - é hora de café da manhã e, garanto-vos, não há pequeno-almoço no Ritz que valha um pão quentinho com manteiga, um croissant (ou dois, ou três), um iogurte, um suco de manga, fatias de bolo de laranja, e TUDO o que o nosso desejo escondido quiser, pelo preço de um café na esplanada da Brasileira... Antes de subir leva-se uma sandes para a praia, e o senhor da confeitaria da esquina, que me conhece há dois dias, já sabe que o meu cacete é gordo e branquinho, por isso grita divertido, lá de dentro, "Ó João, pra portuguesinha é um pãozinho dos maiores e bem branquinho, hein? Vê se não esquece". Ainda agora me levantei e já tenho motivos para sorrir. Chamo a minha companheira de aventuras e rumamos ao calçadão, a duas ruas de casa. O mar já estava cansado de esperar por nós, vê-se pelas ondas, revoltosas, mas agora que chegámos a calma instala-se nas águas azuis e só fica o barulho desta cidade que nunca dorme. Cigarro numa mão, boa disposição na outra, boa disposição aqui, ali e por todo o lado, sempre, rimos por tudo, o caminho todo, parece que não sabemos nada. Quilómetros até ao posto 9, andar faz bem, caminhar é bom demais, se for com uma amiga de verdade faz ainda melhor, rejuvenesce, vamos parando para ver cangas e afins (as mulheres não têm cura), temos tempo, temos todo o tempo do mundo. À nossa espera vão estar amigos e conhecidos, gente boa, gente do bem, gente que gosta da vida assim - boa, vida boa. Na praia está o espelho do Brasil inteiro: mulheres gordas com biquínis minímos, mulheres fantásticas, mulheres plásticas, gays, homem rico, homem pobre, trabalhador e patrão, mas ninguém sabe quem é quem logo à primeira vista, porque todos riem. Todos. Este povo nasceu a rir. Este povo só pode ter nascido a rir. Quem quiser maconha é só pedir para x ou y, é mais fácil perguntar quem não tem, aqui o cachimbo da paz é brinde de comunidade. Se as horas passam, eu não sei de nada, porque eu estou curtindo meu sol, falando com as meninas, arranjando garotas pros meninos, rindo alto como só eu. Mesmo quando fica escuro e vamos para casa com um "Até logo, depois decide-se onde se vai", a alegria fica. Entramos numas lojas e recebemos sorrisos, o calor abraça-nos como só o calor brasileiro sabe fazer, as ruas são quentes, são nossas, por isso vamos andando até casa, sem pressas. Porque temos todo o tempo do mundo. Cair na cama, olhar para a televisão, ver os mails e falar da vida, cigarrinho na mão. Tomar um duche, vestir roupa para espalhar a corrupção, e sair de casa com a mala do século XXI: um maço de Marlboro. O porteiro tem o trigésimo ataque de coração desde que chegámos. Já estamos a rir, de novo. Nós também nascemos a rir. Apanhar um táxi e aterrar na casa dos meninos. Há fumo mas não há fogo. Tá na hora da confusão, queremos tanto da vida que demoramos uma eternidade para decidir onde é a noite (a noite é em todo o lado, chegamos a essa conclusão), fumar faz bem à saúde, sair para a rua ainda mais. Diagonal, Baixo Gávea, tem SKOL por todo o lado, tem gente por todo o lado, tem vida pra todo o mundo. Ficar de pé a falar, a fumar e a olhar para aqui, ali e mais além, "talvez o Zero-Zero esteja bom", "eu por mim ia para a Casa da Matriz", "foda-se, desde que não vamos outra vez para o Circo Voador...", é certo que a noite terá um rumo, nem que seja o "La Cueva"... 'Tá bom, 'tá mau? O que é que interessa, estamos lá nós! Somos amigos do taxista que nos leva, do velho que nos pede um cigarro, do tipo que nos serve uma imperial. Se não houver lugar ficamos no chão, se estivermos fartos de filas não vamos a discotecas, se alguém fizer anos faz-se um luau e vai-se para a praia, a nossa praia, à noite. E somos todos nós outra vez, como de dia, como sempre. Para sempre.




É, são meninos de favela. Mas riem. Sempre.


Um belo entardecer sobre a cidade maravilhosa...

Rocinha

Rio visto de Botafogo

"Cristo abençoando a cidade"

Ipanema, Posto 9. Março 2006

Praia da Joatinga, Maio 2005

Pão de Açúcar, Junho 2005

Há os sons, as cores, os cheiros, a luz, a escuridão colorida, a alegria que mexe e contagia, o mar que envolve, o sol que aquece, o povo que vive com pouco e mesmo assim é feliz, os morros que enchem de verde a cidade, os botequins, os restaurantes, as lojinhas de rua, o sorriso em cada cara, a música no ar, uma festa em cada esquina, a vontade de amar, de beijar, de viver e de sonhar. E a vontade de voltar. Ou de ficar. Na cidade de Deus.

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