quarta-feira, maio 13, 2009

13.

Não consigo escrever porque não. Se as teclas tivessem tinta não saia nada, e se o blog fosse um carro estava num ferro-velho a tentar meter a primeira enquanto deitava fumo pelo tubo de escape.
Não consigo escrever porque tenho medo dos cartazes cinzentos do PSD em que a Manuela-desenterrada-Ferreira-Leite aparece como um fantasma a pedir-nos para não desistirmos.
Não consigo escrever porque o Sporting não ganhou nada este ano, melhor, mais uma vez, o Sporting não ganhou nada – mas não, ainda não desceu ao nível daquele outro clube começado por B.
Não consigo escrever porque continuo dependente do tempo que faz na rua para o que faz na minha cabeça e claro, dá merda.
Não consigo escrever porque vou para Nova Iorque e ainda não ordenei na cabeça os sítios onde quero voltar e os que quero conhecer. Não consigo escrever porque vou para Nova Iorque e tenho a certeza que o dinheiro que faz a minha conta é insuficiente para me saciar, e isso deixa-me ligeiramente infeliz. Muito infeliz, aliás.
Não consigo escrever porque tenho um casamento antes de ir para Nova Iorque, outro assim que chego, e outro ainda umas semanas depois – e isso é muito outfit para a cabeça de uma mulher.
Não consigo escrever porque o Facebook expulsou o Klu Klux Klan das suas páginas, e eu acho tão bem feito que sinto vergonha de não ter escrito um post sobre isso.
Não consigo escrever porque o meu workplace tem papelinhos ao pé do elevador que nos ensinam a lavar as mãos “antes e depois do dia de trabalho”, “debaixo de água, durante 30 a 60 segundos”, e de cada vez que leio isso perco quarenta e sete neurónios, e tenho medo de estar num hospital para tontinhos.
Não consigo escrever porque não tenho chorado, não me tenho sentido triste, e, isto sim é grave, começo a achar que a qualidade da minha escrita está directamente relacionada com a quantidade de negritude que se abate sobre mim.
Não consigo escrever porque agora já não me deito com os pássaros, e who cares, fico demasiado cansada para pensar na vida, no amor e nas vacas – estou mais numa de... vocês percebem.
Não consigo escrever porque no momento certo da coisa sair cá para fora estou no Largo Camões, em frente ao Tejo, no meio do trânsito ou noutro sítio qualquer onde é impossível existir, num raio de metros, qualquer objecto parecido com um computador e uma ligação à internet.
Sim, julgo que é isso.

19 comentários:

Eu disse...

gostei...

Saltos Altos Vermelhos disse...

escreveste isto tudo e não consegues escrever LOL ai se eu fosse para NY nem precisava de escrever só de sonhar LOL

TT disse...

Às vezes basta "agarrar numa caneta"...e foi o que fizeste aqui...e muito bem, parece-me!

criptog disse...

Há períodos em que o som da nossa voz é abafado pelo certinho que se ouve de fora.
Alturas em que melhor do que escolhermos o que queremos é (arriscarmos) perder-nos para voltar a querer.
Digo eu, para mim, depois de ler essa escrita.
:)

Se as teclas tivessem tinta, talvez a saia ficasse tingida! :)

Jojozinha disse...

e ja viste quanto escreveste a dizer isto tudo? e bem...
nao desistas :D
beijinhos

Joana disse...

E mais uma vez (sem querer, querendo) foste Miss... dear K.!
Adorei.
:)

Anónimo disse...

;)

E para quem n consegue escrever, muito foi dito.

Força nisso.

BeiJaçOooOOoOO :D

Z disse...

Depois de ler o teu post fiquei realmente com vontade de te bater! Se quiseres vou para NY por ti, e não me importo mesmo nada :)

Sendyourlove disse...

AHAHAHAHAH... a minha "princesa" também acha que desenterraram a Manuela Ferreira Leite....
O texto?! magnifico!

Yang disse...

E mais uma vez, quando escreves, escreves. É um prazer ler!

Ps- Espero que o facto de não andares a chorar signifique que estás bem, e não porque andes demasiado "distraída" para o fazer...Hope you're ok!

Bjo!

Um Amigo disse...

Foram quase 3 semanas sem posts, comentarios ou fotografias... 3 semanas durante as quais nunca me preocupei contigo...

No meio de tanto texto ha uma grande verdade; que a quantidade e qualidade da tua escrita eh inversamente proporcional a tua felicidade...

Sofres do sindroma do artista. O Sindroma que se alimenta de dor, da ausencia, do vazio, dos sonhos falhados e esperancas despedacadas ao sabor do vento e disposicoes...
O sindroma, que por amor a si proprio, faz para se alimentar, tornando momentos breves de solidao em travessias interminaveis de solidao... ai sim ha coisas para escrever...

Um blog que se intitula de "life is a master piece" que se inspira, em muito, nas falhas dessa mesma "obra prima"...

Por muito que gosto da tua escrita, espero que um dia sejas o feliz o suficiente para deixar de ter a necessidade de escrever...

bjs

Anónimo disse...

and once again brilliant!!!
beijinho
nana

Rolando Palma disse...

Vou só deixar-te mais um motivo ( real ) para não conseguir escrever:
Ontem, reparei num idiota, moço dos seus trintas anitos, com um portátil e um fundo de ambiente de trabalho com o hitler a fazer a saudação nazi.

Por um segundo, pensei que estava a ver mal.

Apeteceu-me partir-lhe os queixos, e disse-lho. Ele riu-se, daquela forma idiota que se riem os atrasados mentais.

E quem ficou irritado fui eu...

Ana A. disse...

Sim, julgo que é isso que sinto também.

morningstar disse...

pois. como te entendo. também eu há muito que receio que a qualidade da minha escrita (ou a chamada "inspiração") seja inversamente proporcional ao desespero que sinto. por vezes assombra-me aquela frase do Nietzsche: "é preciso ter o caos cá dentro para gerar uma estrela". é que ter de optar entre o talento de uma vida desgraçada em lágrimas e a felicidade morna de uma existência conformada é algo que, sinceramente, dispenso.

mas de há uns tempos para cá comecei a ver a coisa de outra forma. sim, a negritude dá-nos inspiração para certos devaneios existenciais que de outra forma não colocaríamos em papel. e sim, a tristeza, quando chega, é profunda e omnipresente, enquanto que a felicidade parece, tantas vezes, ser apenas "leve"...

mas olho à volta e reparo que conheço pessoas felizes E com um talento genial para a escrita. só que o seu registo é diferente. apenas isso.

a felicidade não dá para devaneios existenciais, mas estimula a criatividade.

e é isso que estou a tentar agora. porque não quero ter que optar.

(até porque, suspeito que a escrita não piora realmente quando estou FELIZ, mas antes quando estou apaticamente satisfeita. nem para um lado nem para o outro, digamos, e assim não consigo voar).

good luck to you in all your endeavours.

bjinhos
ms

Luzia disse...

É mesmo isso! Kiss

Anónimo disse...

brilhante a todas as vezes em que (não) escreves. Parabens miuda. real masterpiece.

AR disse...

Sabes estive uns dias sem ir ao meu local de trabalho e no dia do regresso reparei que havia uns papéis novos, junto aos elevadores, ensinando a lavar as mãos. Pensei: quem é que me falou disto?
Depois lembrei-me.
Parece-me que temos locais de trabalho... iguais pois.

Ah e não escrever é, apenas, apanhar fôlego para escrever mais, para escrever melhor.

Menina Limão disse...

"Não consigo escrever porque não tenho chorado, não me tenho sentido triste, e, isto sim é grave, começo a achar que a qualidade da minha escrita está directamente relacionada com a quantidade de negritude que se abate sobre mim."


"Não consigo escrever porque agora já não me deito com os pássaros, e who cares, fico demasiado cansada para pensar na vida, no amor e nas vacas – estou mais numa de... vocês percebem."


É que percebo mesmo.