quinta-feira, outubro 25, 2007

Eu escrevo para quem?

Ando pelo mundo e vejo: pessoas na rua de sacos na mão, pessoas com pernas sem anos de sacos na mão sem ninguém ao lado, só a solidão ao perto e a morte ao longe, mulheres mascaradas de beleza supra-artificial e saltos mais altos que o charme inatingível rirem alto umas com as outras, crianças que carregam mochilas três pesos o seu tamanho andarem de olhos pregados no chão – só quando entre amigos as malas são cadernos e a concentração é gargalhada - , vendedores de carros de fato e gravata made in Continente de gel no cabelo e óculos da travessa da espera a meterem-se com a miúda gira de 20 anos que não tem culpa de ser mais mulher do que eles homens, todos juntos, e como eles os de 50 e 60 e 70, basta-lhes ter o dinheiro no Banco ou na mão, acham logo que a miúda tem de ouvir as barbaridades que lhes passam pela cabeça, grupinhos de teenagers histéricas na idade do armário que gozam com qualquer coisa, desde a pastilha elástica no chão ao pássaro no ar, do autocarro que arrancou ao tempo que vão ter de esperar, sempre de barriga à mostra, mesmo que haja um Michelin pelo caminho e o termómetro marque menos dois, donas de casa desesperadas que passeiam os cães a cada vinte minutos para ver se o marido chega do emprego, mas com aquele fato-de-treino vestido não vão lá, não lhes chega arranjarem as unhas e o cabelo, os homens nem reparam nisso, eles olham é para o fato-de-treino, girafas de 1,80m cuja metade da fauna é realmente bonita, mas que quando abrem a boca ou entra mosca ou sai asneira, pois, ser linda é bom só que ser humana é melhor, e olhar para alguém a partir da sua torre só porque tem mais barras de chocolate não conta na hora do sol aquecer, namorados felizes, tenho de escrever isto duas vezes, namorados felizes, sei que existem, vejo-os, andam por aí de mãos dadas, são normalmente aqueles casais que achamos menos cinematográficos, que se dane, são esses os que estão juntos, topo-os a milhas, muitas vezes até com uma pontinha de inveja, basta abraçar Lisboa que eles estão numa das sete colinas.
Não sei se estas pessoas em que reparo me lêem, mas… eu escrevo para quem?
Serão os anúncios do novo Peugeot e do novo Audi e do novo Laguna os meus fiéis depositários? Ou as bandas largas e finas, cada mês cada preço, qualquer dia é de borla, um dia pagam-nos para dizermos que usamos "X", serão elas que me vêem espreitar? Ou então são os perfumes que passam tão depressa nos mupis que nem dá para cheirar, os vários sabores de Magnum que nem conseguimos provar, ou um anúncio para uma greve geral qualquer, a 23 de Setembro de… 2005? Com tanta coisa espalhada pela rua, gritada nas paredes, fica difícil saber. Há alguma hipótese remota de serem os novos radares instalados em qualquer bocado de alcatrão que, ávidos de não verem nada a não ser rodas de carros, dão uma corrida até ao Life, once in a while? Tinha pensado nas estrelas do céu, só que já dizia o Rui Veloso que não há suficientes para dourar o seu caminho, portanto não quero ser culpada de roubar a melhor luz do mundo a ninguém. Se bem que, de vez em quando… Ná! Tentei entrar em contacto com vários jogadores de futebol, mas fui barrada em todas as frentes por não ser loura, não ter mamas de silicone, e não estar disposta a tudo. Não estou. Contudo, o Figo, que até é um gajo sério, mandou-me um olhar cúmplice como quem diz "sei do que falas". Obrigada, camarada, não esperava outra coisa de um homem como tu. Também não hão-de ser os meus ex-coleguinhas de turma que me lêem: uma delas, de seu nome Rita (e só não digo o último nome porque hoje até acordei de muito bom humor), que hoje em dia trabalha numa revista feminina, não será mesmo a minha maior fã – na faculdade a sua simpatia era tal que, por mais de trinta vezes, se cruzou comigo no metro, na rua, nas redondezas do meu nariz, e nunca, nunca, me disse nada. Uma querida. Eu não ia às aulas, não ganhava "Olás", era a lei e ordem lá do sítio.
Por certo nada nem ninguém deste circo me lê, então… eu escrevo para quem?
O blogger incansável que, como eu, percorre sítios alheios e amarra cordas numa imagem ou num texto? It's a maybe. Tanto pode voltar ou não. Mesmo que seja visita de uma vez só, talvez seja o companheiro mais fiel. Porque parou. A amiga que, já habituada aos meus devaneios, abre a janelinha dia-sim, dia-sim? O amigo que acha o máximo eu ver o mundo a partir de um sítio sem lugar? A curiosa que quer ter a certeza que eu escrevo tão bem como faço crochet? O anónimo que tropeçou em mim por acaso, até gostou mas odiou gostar, e deixa comentários maquiavélicos para ver se um dia a casa vai abaixo? A editora de uma revista que não existe em Portugal e que um dia vai cair de amores pela minha paixão em jogar com as palavras? O editor de um jornal que já anda de olho em mim há muito tempo porque o Life é a marca de confiança dos portugueses? Não.
Eu escrevo para todos. Eu escrevo para mim. Para sair de mim e voltar a mim.

16 comentários:

Luzia disse...

Muito bom...eu sou daquelas que abre dia sim, dia sim! :)

Annie disse...

"descobri-te" há dias.. desde aí tenho sido leitora assídua..
por cusquice? não..
porque escreves bem? sim..
porque gosto do teu jogar das palavras encadeadas em pensamentos? certinho..
tive há dias o mesmo pensamento. tinha um contador de visitas e preferi tirá-lo.. tenho ideia de algumas pessoas q me lêem, mas o certo é que raros são os comentários.. e às vezes no post mais sem sentido, mais significativo é o qual não chega a aparecer mesmo..
já me revi em alguns posts, aliás o de hoje fez-me mesmo comentar..
continua a escrever, seja para quem for..
continua a lutar com as palavras, pelas palavras e pelo bom uso que lhes dás.. :)

Caltuga disse...

Ouch! On fire... Estás mesmo a precisar de um emprego (sorry, I did my best) e de uma injecção de auto-estima... Tem calma, acredito que tudo irá se compor!
:)

Ele disse...

Eu sou um dos todos.
:-)

Buttafly...fly...fly... disse...

Para mim também!

;)

n©n disse...

Escreves também para mim.
Adoro a forma, o conteúdo, a irreverência, o tom depressivo, as gargalhadas, os teus pés assentes na terra ou quando os levantas... gosto.

Gosto muito de te ler.

sahara disse...

Desde que me cruzei com este blog, leio-o dia-sim, dia-sim. :) É bom encontrar quem gosta de brincar com as palavras e adoro como brincas com as tuas. Como as tornas tuas, aliás. Escrever para ti, sempre. Apesar de muitas vezes escreveres também para tantos de nós durante esse processo. É uma coisa que se sente. :)

Folha de alface disse...

sou uma das tuas leitoras assiduas :) continua a escrever palavras q nos tocam!
bjitos

elisa disse...

E eu asssumo a minha inveja por este fluxo de palavras maravilhosamente arranjadas:)
Se quiseres, podes continuar a escrever para mim também

Su disse...

Para mim tb escreves, dia sim, dia sim...todos os dias! Gosto muito de te ler. E este é outro daqueles desabafos que só tu sabes transformar em letras!

Letras de Babel disse...

somos todos compositores de alguma coisa. e não o escondemos.
um filme, um filho, uma palavra...e por aí adiante.




beijos, miss k.

Anónimo disse...

Eu caí de amores pela tua paixão em jogar com as palavras... E não sou editor de um jornal, mas vou abrir uma revista, e já ando de olho em ti há muito tempo não só porque escreves maravilhosamente bem, mas porque analisas tudo de uma perspectiva fantástica... Tens uma grande capacidade de comunicar. Beijinho... Quando quiseres, contacta-me... Preciso mesmo de alguém com o teu dom!

Anónimo disse...

vai e vem, não me importa. desde que escrevas :P

Maria disse...

e a partir de hoje escreves para mim também**

Joana disse...

“Escrever é ter a companhia do outro de nós que escreve”
Vergílio Ferreira

Beijinho.

criptog disse...

... e também para o interior dessas personagens do mundo por onde andas.