Agora
Podia sentar-me aqui, neste sofá gasto de tanto escrever, e contar mil e uma histórias que não interessam a ninguém e mais metade, coisas da minha vida vivida e pensada, da que tive e da que quis ter. Falar, por exemplo, de quando para comer sopa era preciso ir um pedaço de pêra na frente, ou de quando caí de uma árvore a tentar fazer uma cambalhota (não tenho comentários a fazer, falem comigo aos quatro anos...). Não, talvez fosse mais apelativo contar o primeiro dia de escola, em que eu era a metáfora da felicidade em estado puro e os outros meninos se agarravam às saias das mães, a chorar como o Tejo chora nos dias de luto nacional. Ou então fazia um esforço por me lembrar das vezes em que me escondia da minha avó, numa casa que tem mais quartos que tempo para os viver, e ela procurava por mim em todo o lado... até descobrir que eu estava debaixo da oliveira, a rir-me baixinho - ainda levei uns bons estalos à custa disso... Melhor! Relembrar os gadjets que inventava com as minhas primas para brincar à "Missão Impossível", e os finais de tarde a treinar penalties com a Sofia, inevitavelmente com danos colaterais também conhecidos como vasos partidos e, lá está, mais uma vez a minha avó em fúria. Só que depois vinham as doses jumbo de batatas fritas e ficava tudo esquecido, porque eu era um enjoozinho a comer e, se comia bem as french fries, viessem elas! Que bons tempos, esses em que os TPC's eram o maior problema de expressão e o João Terra, eterno melhor amigo, a minha primeira paixão (João, onde está você agora? ). Na minha mente de monstro das bolachas, os assuntos a resolver até chegar aos 18 eram gravíssimos, e de extrema dificuldade: aprender a cortar as unhas, a passar cheques, a conduzir e a pôr gasolina, tudo coisas que eu achava de um outro mundo. Sim, já está tudo tratado. Porque o resto, as coisas dos adultos, eu achava que dava conta quando fosse adulta. Como se os crescidos tivessem uma varinha mágica que lhes resolvesse os problemas e lhes encontrasse as soluções, lhes dissesse para onde ir e o que evitar, com quem falar e quem desprezar... Claro que, depois, não foi bem assim. Quando chegou a minha altura de ser grande, eu trazia uma mala de cartão cheia de coisas para serem magicadas. E não foram. Ainda esperei uns anos para ver se era a fila que estava grande, ou se era eu que estava no lugar errado. E era. Tive tanto tempo à espera que uma varinha mágica me ajudasse a fazer qualquer coisa da minha vida, que ela estancou e, se tenho muitas histórias para contar do período em que sou adulta, agora a maioria já não tem final feliz. Por isso está mais do que na hora de deixar que o sonho comande a vida, sim, mas de olhos bem abertos. Sem indecisões, e sem pessoas que me façam perder tempo. Afinal, o tempo é tudo o que eu tenho. Para quê perdê-lo com gente que não vale um segundo do meu respirar? É agora, ou nunca, que se escolhe o caminho. E eu escolho agora, para, depois, ter mais histórias para contar, dessas que não interessam a ninguém e mais metade - no fundo, as mais simples e as melhores...
9 comentários:
Eh lá!!!
Isto é que se chama a grande lição de vida...
Mas já és adulta? E já encontraste a varinha mágica? E ensinas-me como isso tudo se faz???
Se sonhares como escreves o céu é o limite, pá...
(Precisas de motivação. Sempre que estiveres em baixo, publica uma coisita destas que eu venho cá dar reforço positivo.)
lindo...
minha querida.. QUE TEXTO!!! todos nos achamos assim. parece queserá tudo mais fácil no futuro e depois o futuro chega e nunca é fácil e nunca nada se resolve e nao existem varinhas mágicas. :) life is a long way to go!
(love reading you!)
(tks for the feeds!!!)
Não me canso de dizer que escreves bem! Mas isso já sabias em relação ao que não sabias quando entraste no mundo dos adultos...só te resta enfrentar o mundo de frente...mas não deixes a minina em ti para trás, é ela que te dá o brilho nos olhos!
Miss V:
Em 1ºlugar gosto imenso dos teus textos.E se bem me lembro disseste num deles ke esforçavas-te para escrever todos os dias...ora este post é de sabádo.. Que te aconteceu?
Vá brinda-nos com mais um texto! :)
monsieur gérard:
ainda bem que gosta dos textos deste blog, mas se é mesmo dele que fala, então a escriba chama-se Miss K., e não Miss V.... uma questão de pormenores, claro, mas a blogosfera está cheia de Miss!!
Mil perdões Miss K...já estou a ficar velho e com os olhos cansados!
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