quarta-feira, julho 18, 2007

Ao som do mar e à luz do céu profundo

Foram dormir bem tarde. Riam como se alguém as ouvisse num outro mundo. À noite, na praia, ninguém sabe se os pontos de luz são estrelas e planetas, se casas de Papai Noel e Países de Maravilhas, por isso rindo alto pode ser que alguém ouça alguma coisa. O mar 'tá falando baixinho, a galera vem-se juntado lá longe, aquele luau afinal vai ser. Ainda sem o barulho do grupinho, só as três, agente pode tudo. Até dançar sem música, que o senhor da água de coco tem a rádio no ponto certo. "Onde está você agora?", canta Caetano, onde estamos nós agora, quem seremos nós agora? As donas do mundo ou as comandadas por ele? "Ó João, bota essa caixinha mais pra esquerda, senão vão ser os caras do lado que vão ter som!" Quando estamos todos (minina, estamos todos meixmo?!), somos mais que vários, e o areal dá para a última madrugada daqueles dias. Vamo' falar, vamo' dançar, não, vamo antes joga de mintirinha, ou de rodar a garrafa, já sabe como é, quem perde tira a roupa... "Pô, garoto, vê se me larga, hoje eu não 'tou a fim de ouvir seus dramas não, hoje é festa." Como tem mistura em todo o lugar, aqui no nosso também tem: ninguém sabe, mas agente chorou um pouquinho por ser a última vez. Sabe como é, muitos dias intensos com gente muito intensa dá nisso - choro de madalena. Mais até que é um choro bom, porque é um choro do que foi vivido! O Carnaval na Rocinha e na Lapa, nossos amigos que viviam perdendo chinelo, os quilómetros pelo calçadão, fazendo ginástica de cigarro na mão, as paradas de máscaras e nós as três, no meio da confusão geral, nunca com frio, sempre sem fome, prontas para o que tivesse que ser - mais e mais. A nossa barraca é ainda a nossa, Fê, você trate bem dessa barraca, que agente não imagina esse posto 9 sem ela e sem nós por perto. Sem o nosso grupo que alastra pela praia fora e vai ocupando espaços de outras pessoas. 'Qué que tem? Somos 20, portugueses, brasileiros, tem um argentino também, viemos em paz, se quiser se junta a nós. Só que os meses têm um fim e nesse fim você volta pra sua vida rotineira, de canseira, e deixa esses morros, esse sol, essa luz divina, e acorda na sua última hipótese - o luau. Dá pra dizer tudo hoje? Como eu te adoro? Como eu vou viver morrendo de saudades suas? Como eu vou querer acordar às sete da manhã pra conferir que me deitei às cinco e ficar logo de pé? Dá pra levar as ruas cheias de vida comigo? E você, Fê, porquê não vem com a gente? Olha tudo o que a gente viveu... Olha o minino da Gilson Martins, olha os segredos que mais ninguém sabe nem sonha, olha nós as três rindo em todas as chapas! Olha essa em que estamos fazendo coração no ar! Sabia que no futuro essa foto vai fazer maior sururu lá em Portugal? É verdade. Então se não vem já, se não parte agora, promete que quando voltarmos um dia tudo vai ser igualzinho que nem dessa vez?
Para a Filipa e para a Fê:
Nunca se esquece o que se vive de mais que bom

3 comentários:

Luzia disse...

Quase deu pra sentir uma batida! O texto parece ter o seu próprio ritmo! Está óptimo e dá imensa vontade de ir visitar esse Brasil!

Joana disse...

E eu voltei pru meu ponto da praia de Copacabana... ja nem me lembro mais qual era, mas sei lá chegar. Me lembro do mar e de quem lá ia rezar e jogar flores. Me lembrei da chuva que caiu quando saí do ensaio da escola de samba lá em Nilópolis, me lembro do cheiro e das ruas. Me lembro do cara que vendia bolinho de bacalhau, coxinha... e do Meia Pataca e da lagoa e do bolo de aipim e do queijo de minas no pão quente logo pela manhã.

Posso te dar aquele abraço?
Obrigada garota, você é nota dez!

José Diogo disse...

Um texto com muita emoção. É o que dá escrever com o coração.