domingo, junho 17, 2007

Dos desencontros

- Percebe-me. Não és tu, não é contigo. Tu... Tu estás-me a trazer muitas coisas, a dar-me demais, e é isso que não pode ser, é isso que eu não posso aceitar. Não neste momento. Desculpa-me, mas não podes passar a ser tão importante como o meu quotidiano, não podes fazer parte dele, agora não. Agora tenho de ser só eu, eu e mais ninguém, ou quem eu quiser, mas ninguém único, ninguém meu.
- Certo. Se és mais feliz assim...
- Não sou mais feliz assim. Não sou mais feliz de maneira nenhuma. Porém, decerto não seria feliz a enganar-me a mim próprio.
- Tens medo.
- Tenho. Não escondo, tenho medo. Esta é a minha defesa, a minha maneira de não sofrer, de...
- De não viver?
- Esta é a fase, boa ou má, por que passo agora. Se gosto dela? Não gosto. Queria, do fundo de mim, arranjar forças para superá-la já, neste instante. Mas não é assim. No fundo, ninguém manda em si.
- Custa-me entender, claro. Custa-me porque gosto de ti, do homem que és. Gosto do que vi, do que pressenti e do que quis conhecer. Adorei o que vivi. No entanto, acho que nunca vou conseguir realmente perceber. Eu estou aqui, agora. Quero o teu bem como quero o meu. Tenho medo como tu tens medo, mas dois medos juntos são um medo só, por isso porquê largar tudo em função de um fundo negro? Não sabemos nada de amanhã nem dos outros dias, há o sofrimento, há, há a dor, há, há a tristeza, há, mas também há a felicidade sem palavras, a alegria das surpresas, a plenitude do viver à séria.
- ...
- Eu não te quero convencer a nada. Quero apenas que saibas uma coisa: as saudades que vou ter começaram quando entrei em tua casa. Agora, enquanto falamos, isto são já as saudades a falar, porque estamos sentados no mesmo sofá mas já não estamos juntos. Olhar para ti é como olhar para um retrato, agarrá-lo e querer que ele se torne vida. Dar-te a mão é perder a tua mão. O beijinho que te quero dar e não posso é uma nuvem que vai ficar sempre comigo.
- As minhas saudades também começaram agora... Já tenho saudades... E também me vai custar não estar contigo, acredita.
- Acredito. Bem, vou embora...
- Vais? (não vás embora, fica) Pois, tem de ser. (porque não digo qualquer coisa, porque não me sai qualquer coisa?) Vamo-nos vendo, não é? (porque não tenho coragem?)
- Claro, vamo-nos vendo.
- É gira essa mala... (o que é que eu quero afinal, quem é que vai sair por aquela porta, por que me deixa triste?)
- Cuida de ti.
(abraço)
- E tu de ti... Está a ser difícil, isto. (porquê? não era suposto ser uma conversa que me deixasse melhor? então porquê estas lágrimas a rondar os meus olhos?) Parece que estamos presos!
- Não, não estamos! Tu estás livre. Vês? Já estás. Eu acabei de ir...
- (por que não consigo dizer nada, por que não consigo fazer nada, por que não se mexem estes pés para ainda te apanharem na rua? porquê...?)

9 comentários:

Inês disse...

eu não sei se este texto é dirigido a alguém e, se o for, peço desculpa por estar a escrever neste post, mas é incrível como se pode viver, ao mesmo tempo, as palavras "desencontradas" que leio aqui.

MysterOn disse...

Não sei, nem tenho nada a ver com o que se passa aí para esses lados, mas quer-me parecer que estás a precisar de ir espalhar a corrupção...

Ciao

Miss K. disse...

a vida é uma obra-prima, mas é a vida de todos. quando eu falar de mim, falo de mim; quando falar da vida, falo dos desencontros e alegrias, enganos e fantasias que temos todos nós...

Anónimo disse...

-Agora não quero 'tar contigo!
-Quer.
-Xau!
-Xau!

MissangaAzul disse...

Acabaste de descrever a conversa eu me aconteceu sabado á noite, mais palavra menos palavra...
doi que se farta...

Anónimo disse...

gosto do texto. não sei se escreves por gosto e como escrita ficional, ou por desabafo. de qq maneira achei interessante a maneira como estás sempre a mudar de ideias.

alma-em-4-corpos disse...

É com "relatos" destes que percebemos que não somos os únicos a passar pelas coisas. Subitamente, o nosso umbigo diminui.
Obrigada por partilhares o que escreves.
Bjs

Nuno Andrade Ferreira disse...

Genial, como sempre.

Bj.

Joana disse...

tudo o que eu te possa dizer agora vai parecer "chapa 5".

continua a escrever sobre estas pessoas meias desorientadas, meias encontradas que somos.

acho que não corremos atrás, porque nem nós mesmos queremos ainda "ficar".

bjs