segunda-feira, outubro 16, 2006

Ontem - que foi. Hoje - que é. Amanhã...

excerto de UM PIROSO NAS NUVENS, por Rodrigo Guedes de Carvalho:
"(...) Hoje? Quer lá bem saber. O mesmo se aplica então aos sentimentos, que hoje encara sem medo. Porque lhe ocorre tudo isso, agora? Porque passeava outro dia pela praia quase deserta, com a filha ao lado. Lembra-se de quando a levava pela mão, o receio de que uma onda mais forte lhe desequilibrasse os pés mínimos. Lembra-se de que a cabeça dela mal chegava à sua cintura, que lhe fazia ainda perguntas sobre a cor do céu, porque é azul e outras vezes não, quem fez o mar, se as núvens chegarem cá abaixo pode-se andar em cima delas? E comê-las? Outro dia, de novo pela praia, com a filha ao lado. Os ombros dela pouco abaixo dos seus. E já não o mar, quem mandou toda esta água para aqui? Ela falava-lhe de alguma indecisão. Queria seguir Medicina, mas quer evitar a cirurgia. Ele fala-lhe, do pouco que sabe do assunto, das inúmeras especialidades, de carreiras de investigação. Lembra-lhe que pode sempre perguntar ao avô, que muito há-de apreciar que alguém na família lhe siga os passos. Os ombros dela, quase ali. Ele percebe que não falta muito para alguém lhos enlaçar, como ele um dia, a mão na mão pequenina dela. Sem saber, sem se lembrar, ela faz um movimento com o pé, na espuma que rebenta. Como dantes. Quando pensava comer nuvens. São ainda os dois. Ainda e sempre. Ele lembra-se das perguntas dela, dela com frio a pedir a toalha, a pedir colo, a chorar se vinha o sono. Agarra-lhe ainda a mão. Já não cabe totalmente dentro da sua. Uns dedos esguios, alongados, que lhe correspondem. Uma mão - caramba - tão igual à sua. Tempos haverá havido, quando ligava muito aos outros, em que o momento lhe teria parecido piroso. Evitaria desfrutá-lo, serenamente, quanto mais confessá-lo. Muito menos escrevê-lo. Hoje já não tem medo. Talvez, pensa, porque já não tenha tempo. Já não tem muito tempo. É altura de pensar só em si. Nos momentos que quer guardar para levar consigo quando um dia partir, para onde partimos todos um dia. Sabe, e sorri quando pensa nisso, que levará esses dois passeios pela praia. Os ombros dela quase à altura dos seus, questões práticas sobre a carreira que quer seguir. E o outro passeio, que pensava já tão longe mas sente, hoje como nesse dia, agarrado às paredes do coração. No sítio onde estão apenas as coisas que valem a pena. Essas coisas tão fora de moda, tão pirosas, que nos mantêm vivos. E que um dia nos hão-de fazer voltar a pensar nessa questão, que julgávamos menor mas nunca nos sai da cabeça: Quem fez o mar e as nuvens?"
in revista Máxima, coluna "Palavra de Homem", edição Setembro/06

3 comentários:

MysterOn disse...

...is it possible for Miss K to sometimes post in a bit larger font sizes...don't wory with the text size? Também não quero nada supersized mas tipo...saio daqui com os olho em brasa ;)

Beijos e porventura bom dia...eu cá vou dormir ;)

Miss K. disse...

Impossible, my dear. The font size is always the same, and I hate huge font sizes.
Sorry Mysteron... But i really like simple things, if you know what I mean...

Enjoy the big apple and keep posting!

MysterOn disse...

Will keep posting..and keeping it simple at least I try ;)

I don't like huge font sizes either, as you can see in my blogg there not that big...

Kissez for a Special Missez ;)