sábado, outubro 07, 2006

Cesariny surreal


De Mário Cesariny nunca se podem esperar banalidades. Seja num quadro, num poema, ou numa simples entrevista, com 50 ou 83 anos (os que tem agora), há sempre qualquer coisa de surreal, passe o pleonasmo, na maneira como o artista enfrenta o seu adversário.
Neste sábado de sol, o "SOL" saiu para as bancas e uma das chamadas de capa era sobre o homem que viveu para a liberdade, o amor e a poesia, o mote dos surrealistas: lá se lia "Cesariny Sem Censura", já a preparar o leitor para uma entrevista de fazer cair o Carmo e a Trindade. Não foi caso para tanto. Mas podia ter sido, se mais gente lê-se efectivamente o jornal que compra, e se mais gente conhecesse o homem e a obra que ali se debatia. Adiante...
Abre-se a Tabu e, na página 50, aparece-nos um senhor de idade a desafiar-nos, em letras garrafais: "Fui suspeito de vagabundagem". Ao todo são seis páginas de confissões, ajudadas pela idade - dirão uns -, filhas de uma irreverência nunca perdida - direi eu, em que Cesariny, à nona pergunta: "Além de ser o mais novo, era o único rapaz...", responde com um alucinante "Era. E ainda por cima saí homossexual, imagine." A partir daí são centenas de caracteres da história de um homem que tem muito para contar, tantas são as coisas que viu, assistiu e viveu.
Como o ano em que conheceu André Breton... P - "Como é que se deu esse encontro?" / R - "Fui a casa dele, bati à porta e ninguém respondeu. Ele tinha um letreiro à porta a dizer «Não quero entrevistas, não quero isto, não quero aquilo.» Eu deixei lá um papel: «Não quero entrevistas, não quero isto, não quero aquilo. Quero falar consigo.» Então, à segunda vez que lá fui, recebeu-me(...)".
Como a diferença entre a sua vida, vida umas vezes escrita e outras pintada: P - "Diz que, para si, a pintura é mais terapêutica do que a poesia. Porquê?" / R - "Na poesia tens de escrever se estás zangado, se estás optimista, se estás apaixonado. Coisas que na pintura não existem. Embora não seja, parece uma coisa mais impessoal. Não fala das dores de estômago ou das dores de cabeça, das dores de corno. O pincel não dá isso." / P - "O que é que o pincel dá?" / R- "Dá uma realização da pessoa, de que o quadro é a prova."
Não vou continuar nisto, claro, se não teria sido preferível fazer um copy-paste da entrevista. Só que isso, além de não dar gozo nenhum a fazer, tirava o resto de curiosidade a quem ainda não a leu. Assim, porque já escrevi demais, deixo só a última frase. Não, não estou a estragar nada! Isto não é um filme, nem um livro, é uma vida: P - "Acredita na imortalidade?" / R - "Não sei. Quando lá chegar, eu telefono [risos]...

1 comentário:

MysterOn disse...

Tenho Sol, mas não tenho o Sol...

Confesso que conheço pouco da obra/vida do Mário Cesariny, apenas o que sei foi através de um amigo que tem uns quadros dele e o qual já trocou umas conversas com o mesmo. Ele é que me deu a conhcer o pouco que sei do Mário. Agora abriste, ou tu ou o Sol, o resto do apetite com as respostas sábias do homem.